20 dezembro 2009

Leis cosméticas

Maior parte das leis aprovadas nas câmaras
municipais no Brasil não tem mínimo impacto

Institutos voltados para a análise do trabalho das câmaras municipais e assembleias mostram que em todo o país elas se dedicam mais à proposição e aprovação das chamadas leis cosméticas


Datas comemorativas, nomes de ruas, títulos de honra, criação de organizações de utilidade pública. Mais de 80% do trabalho realizado pelos legislativos municipais e estaduais em todo o país é composto pela proposição e aprovação de leis cosméticas, a chamada política de baixo impacto. Dados de institutos focados na análise da produção de câmaras e assembleias legislativas mostram que as funções de 52.137 vereadores e 1.035 deputados – fiscalizar todos os níveis da administração pública e propor políticas para a sociedade – são simplesmente ignoradas para dar lugar a leis que garantam aos parlamentares palanques políticos e, consequentemente, novos votos. Na opinião da coordenadora do projeto Parlamento Jovem PUC-MG, professora Beth Marques, o que prevalece atualmente são “ações de cunho essencialmente clientelistas e assistencialistas”.


Uma pesquisa do Instituto Ágora mostra que aproximadamente 80% da produção legislativa nas câmaras municipais de grandes centros urbanos, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, é efeméride, ou seja, leis que fixam datas comemorativas. “Essas leis funcionam na verdade como moeda de troca para a manutenção do eleitorado”, diz Gilberto de Palma, diretor do Instituto Ágora. Funciona da seguinte maneira: o vereador coloca em votação, por exemplo, o Dia da Comunidade Israelense, uma agremiação forte na cidade em que legisla. Aprovada a lei, perto das eleições esse mesmo vereador visita a sede da comunidade israelense no município para pedir votos. Em outras palavras, ele conseguiu formar um palanque eleitoral, o qual usará para obter apoio de um importante nicho da população local.

Outro levantamento, esse do Grupo de Acompanhamento da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), iniciativa do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da Arquidiocese de Belo Horizonte e PUC Minas (Nesp), aponta que 78% de todos os projetos aprovados neste ano na Assembleia mineira (569 no total) são de declaração de utilidade pública a associações e outras organizações da sociedade civil, que dessa maneira conseguem benefícios como isenção de impostos.

Na avaliação do vice-presidente da Assembleia, deputado Doutor Viana (DEM), esses projetos têm seu valor, porque beneficiam a sociedade, na medida em que habilitam associações a conseguir recursos públicos e a aplicá-los em benefício das comunidades. Para cientistas políticos entrevistados pelo Estado de Minas, no entanto, essa produção de baixo impacto tanto nas assembleias como nas câmaras compromete a qualidade do trabalho parlamentar. Para Robson Sávio, coordenador do Nesp, o fato de o Legislativo produzir matérias de pouca relevância para a população acaba deixando um vácuo que é preenchido pelo Executivo. “Nos últimos anos, prefeitos e governadores têm se articulado em grandes bancadas nas casas legislativas e conseguido aprovar quase tudo o que propõem. Por isso mesmo, a fiscalização do Executivo também não ocorre. “Em uma democracia em que a tripartição dos poderes deveria existir, há, na verdade, um descontrole no arcabouço da democracia institucional. Um desequilíbrio entre Executivo, Legislativo e Judiciário”, alerta.
(Daniela Almeida - Estado de Minas)

Nenhum comentário: