22 janeiro 2014

Efigênia Rolim, mineira de Abre Campo,
faz arte com papel de bala
História de artista autodidata inspirou
 documentários, livros e até peça
Há pelo menos 30 anos, a ex-lavradora Efigênia Rolim viu um objeto verde e brilhante no chão. Achou que era uma esmeralda. Abaixou-se, pegou e viu que era “apenas” um papel de bala. Mas o encanto não morreu aí. Daquele micro e reluzente retalho da cor da esperança, ela fez uma flor e toda sua arte. Hoje, aos 82 anos, ela é a “Rainha do Papel de Bala” e participa do Verão Arte Contemporânea (VAC).

No próximo sábado, no Memorial Minas Gerais Vale, Efigênia vai ministrar a oficina “Penenem”, na qual ensinará a produzir uma de suas obras. Ainda na programação do VAC, Efigênia é tema do espetáculo “Eles Também Falam de Amor”, a partir de amanhã até domingo, no Centro Cultural Banco do Brasil.

Escultora, estilista, poeta, contadora de história, ex-lavradora, mãe de uma grande família com nove filhos. Enfim: artista popular. Radicada em Curitiba desde os anos 1960, a mineira de Abre Campo, na Zona da Mata, é arte de cima a baixo de seu um metro e meio de altura e 37 quilos. “Nasci ‘de’ sete meses. Deus quis assim. Não posso teimar com ele”, ensina. Por isso, a inspiração tem que sair por todos os lados.

“Meu cunhado morava em Londrina foi a Minas e viu a nossa pobreza. Ele nos convidou para ir para Curitiba. Ele dizia que a gente ia raspar o dinheiro com rastelo nas lavouras”, lembra.

E você acreditou nisso, Efigênia? “Não é que eu acreditei. Mas meu marido decidiu ir”, lembra, sobre o companheiro, que morreu em 1988. E a arte? “Eu cantava uns versinhos, mas, trabalhando na lavoura, não tinha como criar outras coisas. Se eu quisesse torcer meus caminhos para outro lado, seria uma desobediência”

Mas hoje, a arte é quem dá a direção na vida de Efigênia. “Estão querendo ‘eu’ lá, né? Eu tenho que ir. Graças a Deus, estou lúcida”, entusiasma a artista, sobre a participação no evento, em seu Estado natal, onde, até então é pouco conhecida.

Arte da ‘Rainha’ chega a R$ 3 mil
 Hoje, uma peça feita por Efigênia Rolim, a “Rainha do Papel de Bala” pode chegar a R$ 3 mil. Essas criações já aportaram no nobre Museu Oscar Niemeyer, na capital paranaense, onde foi convidada para expor, em 2005, ao lado das obras de Arthur Bispo do Rosário, outro artista “do reciclado” que morreu em 1989.

Em repeteco, no mesmo espaço, ela chegou, com honras, em uma sala exclusiva, à Bienal Internacional de Arte de Curitiba, em outubro do ano passado.

“Dizem que o meu trabalho é a continuidade do trabalho do Bispo. Dizem que é sus-ten-ta-bi-li-da-de”, comenta, bem devagarinho, para não tropeçar no palavrão.

Fora do Brasil, os animais, bonecos, xales, chapéus e tantas outras roupas, além de instrumentos musicais e as histórias peculiares criadas por Efigênia foram para a Suíça, o México e a França.

A ovelha de Belém
“O nome dela é Ovelém. Ela nasceu no Natal. E vai levando o Menino Jesus nas costas”, explica, sobre um dos trabalhos, expostos na página do Facebook, mantida pelos familiares.

Interessados? Tirem o cavalinho ou e a ovelha da chuva. A obra com pelúcia, muito papel de bala e uma história boa e longa, que não cabe nesta pequena página, já foi vendida. Valor: R$ 1 mil. Já a peça de R$ 3 mil, um cavalo, foi comprada por uma Organização Não-Governamental de São Paulo.

“O preço que ela põe, eles pagam”, garante a jornalista e biógrafa de Efigênia, Dinah Ribas Pinheiro no livro “A Viagem de Efigênia Rolim nas Asas do Peixe Voador” (edição independente, 2012).

Lavoura nunca mais, não é mesmo, Efigênia? “Lavoura só para comer os frutos dela. Deus abençoe!”, agradece.

Sem esquecer os costumes mineiros, Efigênia diz que no quintal de casa, onde tem o ateliê, em Curitiba, ainda planta “alguma coisinha”: couve, cebolinha, salsinha...

Simplicidade desde a primeira exposição, em 1993, até as telonas
“O homem só pensa na fama, mas a mão de Deus está estendida para o homem para buscar as coisas pequenas. As pequenas é que se fazem grandes. Mas para buscar isso, tem que ter pureza”, filosofa Efigênia Rolim. Inclusive, em um papel de bala. E a “Rainha” dá mais um exemplo. “Veja um embrião, na barriga da mãe. Tão pequeno! Mas se a mãe não cuidar...”

A artista diz que o planeta está “entupido com as coisas grandes”. Por isso, ela defende que as pequenas é que são mais fascinantes. “As coisas pequenas já nascem com história. A gente acha que é coisa à toa, mas quando vem pra nós, já vem com a história”, alerta.

A carreira de Efigênia, mesmo na maturidade, também começou engatinhando. Desde o simples papel de bala, de que fez uma flor, até a primeira exposição, em 1993.

A jornalista Dinah Ribas Pinheiro é uma das “descobridoras” da arte da mineira. Dinah lembra que Efigênia teria feito uma árvore com vários animais e levado até a Fundação Cultural de Curitiba, onde era assessora. Ali, expôs as criações e ganhou a simpatia da imprensa local.

A trajetória de Efigênia já rendeu dois documentários: a “Rainha de Papel”, dos cineastas Estevam Silveira e Tiomkim (1998), no qual foi “batizada”; e “O Filme da Rainha”, do cineasta argentino Sergio Mercuri, de 2005.(ED) l

Homenagem e oficina no VAC
A peça “Eles Também Falam de Amor”, sobre o mundo da artista popular Efigênia Rolim, a “Rainha do Papel de Bala” estreia no Verão Arte Contemporânea (VAC) amanhã e segue até dia 26.eia mais na página 8.

Com direção de Raquel Castro, o espetáculo tem participação de Lélia Rolim, sobrinha-neta da artista homenageada e dos atores Andréa Rodrigues e Charles Valadares.

A equipe se reuniu para o trabalho de conclusão de curso em Interpretação Teatral (UFMG), de Lélia, que mora em Belo Horizonte.

Na próxima sexta-feira, Efigênia Rolim ministra oficina Penenem, no Memorial Minas Gerais Vale, na Praça da Liberdade, às 10h (para crianças de 4 a 7 anos) e às 15h (para crianças de 8 a 12 anos). As inscrições devem ser feitas por meio do telefone (31) 3343-7317.

Na oficina, a artista octogenária ensina a fazer um apito com materiais reciclados chamado “Dr. Penenem”.

Para não fugir do costume das criações de Efigênia, o objeto tem uma história. “Penenem” é um médico guardião da floresta e que sempre entra em defesa do planeta.

(Hoje em Dia)

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