17 abril 2013

Assistencialismo é a principal marca da
atuação dos vereadores no interior de Minas
Vereadores batem recordes de mandato graças à política do assistencialismo, como doação de cadeiras de rodas, remédios e transporte de doentes. Trocar de cargo não está nos planos deles

Passar mais de 20 anos na mesma função. Sem cair, nem arriscar escalar posto mais alto. Sempre com respaldo popular e sem qualquer sinal de que pretendem mudar de vida. Parece algo que não exige muito trabalho. Mas é arte para especialistas. Em Minas são muitos, espalhados pelas câmaras municipais. São os vereadores campeões de mandato, com quatro, cinco e até oito eleições para o cargo. De partidos e perfis diferentes, muitos têm em comum a estratégia para a longevidade no Parlamento: o assistencialismo.

Em Barbacena, Região Central, a categoria é representada pelo presidente da câmara, vereador Amarílio Andrade (PSC), de 72 anos, que está no oitavo mandato na Casa. Até a metade dos anos 1990 ele foi da confiança de políticos como os ex-governadores Hélio Garcia, que deixou a vida pública em 1995, e Tancredo Neves, morto em 1985. Em 2001, depois de ser curado de um câncer na garganta, decidiu criar um instituto para atendimento a pacientes com a doença. Fornecia cadeiras de rodas para banho e remédios. Mas precisava também de uma ambulância para transporte dos pacientes para Belo Horizonte. Tentou com o então governador Aécio Neves (PSDB). “Demos a ele a Medalha Sobral Pinto, a principal comenda da cidade, mas a ambulância não veio. Quem resolveu o problema e liberou o veículo foi o secretário de Planejamento, hoje governador, Antonio Augusto Anastasia (PSDB)”. O veículo, segundo Amarílio, rodou mais de 300 mil quilômetros transportando pacientes. “Não peço nada para mim. Peço para os outros”, diz o vereador, eleito este ano, pela 12ª vez, presidente da Câmara Municipal de Barbacena. Antes de virar político, Amarílio era professor da rede pública de ensino.

Com menos mandatos, mas com a mesma vontade de ajudar as pessoas, o vereador de Carandaí Osmar de Souza (PMDB) é campeão de eleições e de solidariedade. Na tarde de quinta-feira, ao ser contatado por telefone pela reportagem, estava em Barbacena, para onde levou três pacientes para realizar mamografia. Com tanta disposição e gasolina, conseguiu cinco mandatos. A intensidade da entrega ao próximo chegou a interromper a trajetória do parlamentar. Em 2006 teve o mandato cassado por, como diz, “umas fichas de dentista”. Na verdade, autorizações entregues a eleitores durante a campanha para tratamento dentário.

Ele cumpriu três anos de inegibilidade e retornou às eleições no ano passado. Por sua força, conseguiu eleger sua ex-mulher na disputa de 2008. Osmar circula por Carandaí em um carro de R$ 57 mil, o mesmo usado para o serviço de transporte que ele realiza. Pela câmara recebe R$ 2,8 mil. Mas por ter se aposentado por invalidez, depois de dois derrames cerebrais, tem renda maior. “No mês que vem vou para os Estados Unidos com a minha filha”, conta.

Mas há quem garanta que o grande número de mandatos no currículo não vem de doações ou transporte de doentes. Nilton Manoel (PSD), vereador em Ipatinga, no Vale do Aço, eleito sete vezes para o cargo, diz que o sucesso nas urnas é pela fiscalização que ele realiza no governo da cidade. “Fiz 12 denúncias contra o último prefeito e já tenho uma em mãos contra a atual administração”, diz o parlamentar. Ex-balconista de farmácia, ele afirma que, apesar de tanta popularidade, não pensa em se candidatar a deputado, por exemplo. “Não tenho dinheiro para isso”, argumenta. A única renda do parlamentar vem do contracheque da câmara, R$ 5,2 mil mensais.

Vereador no quinto mandato em Juiz de Fora, na Zona da Mata, o defensor público Isauro José de Calais Filho (PMN) venceu a primeira eleição em 1996, três anos depois de assumir o comando do Procon na cidade. Hoje, o parlamentar exerce, concomitantemente às funções na câmara, o trabalho de gestor da Defensoria. Uma das tarefas no cargo é direcionar detentos de baixa renda presos em flagrante a advogados de defesa pagos pelo estado. O contato é feito com as famílias dos acusados.

Idealismo
Na avaliação do presidente da Associação Brasileira das Câmaras Municipais (Abracam), Rogério Rodrigues, que já foi vereador por seis mandatos em Coromandel, no Alto Paranaíba, o único motivo de alguém permanecer na política é o idealismo. “Quem fica é porque gosta. Tem vontade de servir à população”, avalia. Para o ex-parlamentar, a acomodação dos ex-colegas nos cargos acontece por não terem um projeto para crescer e por estarem habituados àquele cotidiano. “Às vezes também têm um pequeno negócio, que os prendem à cidade, e acabam conciliam isso com a vereança.

É a relação feita pelo vereador em quinto mandato Antonio Afonso Pereira (PP), de Santana dos Montes, Região Central do estado. Dono de um sítio onde planta verduras e cria gado, o parlamentar, assim como os colegas de Barbacena e Carandaí, mantém uma hot line com os moradores da cidade que precisam de serviços médicos. Em seu fusca 1978 encardido e com pneus carecas, transporta pacientes para tratamento de saúde na cidade e em municípios vizinhos. Chega a ser acordado no meio da madrugada para prestar o serviço. “Estou mais para a câmara”, diz o vereador, sobre a melhor das suas duas fontes de renda. O salário do vereador é de R$ 2,5 mil.

O parlamentar é conhecido como Antonio Gasolina. Antes da abertura de um posto na cidade, era o responsável pela venda do combustível. Por força do destinoe do vaievém no exercício paralelo do mandato, continua honrando o apelido. Agora, porém, como comprador do produto.

Do volante para a Câmara
Eles acabaram se afastando da antiga profissão para dedicarem à atividade política, mas recusam a condição de “políticos profissionais”. O vereador Ildeu Maia (PP), de Montes Claros, Norte de Minas, lembra da sua primeira campanha para a Câmara Municipal, em 1992, quando era motorista de ônibus. Na época exercia também a função de presidente do Conselho Comunitário de Desenvolvimento do distrito Santa Rosa de Lima. Hoje, Ildeu Maia está no seu sexto mandato de vereador na cidade que é o quinto maior colégio eleitoral do estado, com 246,7 mil eleitores.

O vereador conta que quando era motorista de ônibus trabalhava em um sistema de revezamento: em uma semana, transportava trabalhadores de indústrias na cidade. Na semana seguinte, fazia a linha entre Montes Claros e o distrito de Santa Rosa de Lima. Dessa forma, acabou conquistando a simpatia – e depois, votos – dos passageiros. “Antes, eu ajudava outros candidatos. Aí, resolvi me candidatar e deu certo”, afirma Maia, de 52 anos.

No início da vida pública ele ainda tentou conciliar o trabalho de motorista com o de vereador, mas não conseguiu, por causa das reuniões da câmara. Ele salienta que seus finais de semana também são ocupados pela atividade com os eleitores. Ontem, por exemplo, ele iria visitar seis comunidades rurais. Ele nega ser um político profissional e se diz um pequeno produtor. “Profissão diz respeito àquilo em que a gente trabalha a vida toda e a gente só fica na política até o dia que o povo quiser. No meu caso, enquanto o povo me quiser, serei político com muita honra”, justifica.

O representante do PP disse que considera a remuneração de R$ 12 mil mensais recebida na câmara como boa, mas mesmo assim garante que não conseguiu acumular patrimônio. “Se o dinheiro que recebo ficasse só para mim, e eu não ajudasse ninguém, acho até que poderia ter ficado rico. Porém, as despesas são muitas”, comenta. Entre elas, ajuda para festas religiosas das comunidades rurais e para associações comunitárias, remédios e até “dinheiro do gás” pedido por pessoas carentes.

Outro campeão de mandatos é Edmar Pereira de Oliveira (PTC), o Dimazão, de Várzea da Palma, também no Norte. Ele está no sétimo mandato consecutivo de vereador. Há quatro anos ele montou uma revenda de carros usados e disse que procura conciliar o auxílio à comunidade com o comércio. “O trabalho de vereador não tem hora para começar ou terminar. Precisamos estar sempre à disposição do povo. Resolvo muitas coisas pelo telefone celular”, explica o vereador de 51 anos.

Dimazão sustenta que nunca conseguiu juntar patrimônio com o salário de vereador, atualmente de R$ 6 mil. “Salário de vereador parece que é amaldiçoado. A gente não consegue comprar nada com ele”, reclama. “Tenho outra atividade e não vivo de salário de vereador”, acrescenta. Ele disse que praticamente toda a remuneração que recebe da câmara é gasta com o pagamento das despesas do exercício do mandato e com o atendimento de pedidos de eleitores.
(Estado de Minas)

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