09 abril 2013

Músico da primeira geração do Clube
da Esquina prepara livro de memórias
Primogênito dos Borges relembra momentos da carreira e faz planos de lançar

Marilton Borges em frente ao Edifício Levy, no
 Centro de Belo Horizonte, um dos endereços
 que fazem parte da história da música mineira
Foi na altura do quarto andar do Edifício Levy, na Avenida Amazonas, 718, que Marilton Borges ouviu a voz e o violão que o marcariam para sempre. Faltava energia no Centro de Belo Horizonte e, como tinha de sair de casa, o filho mais velho de dona Maricota e seu Salomão Borges resolveu descer os 17 lances de escada do prédio a pé. “Quando ouvi aquele troço maravilhoso, quis saber de onde vinha”, recorda o tecladista e compositor, que acabou se deparando com o então recém-chegado Milton Nascimento, contador e datilógrafo, que vinha de Três Pontas, no Sul de Minas, trabalhar em escritório de uma empresa na capital.

Perto de completar 70 anos, em 31 de maio, Marilton recorda desta e de outras histórias que acabariam contribuindo para o surgimento do movimento musical mais importante do estado. Afinal, foi ele que apresentou os irmãos Márcio e Lô Borges, além de amigos como Beto Guedes, a Bituca, como se tornou conhecido o cantor, tido como o 12º filho dos Borges. Comemorando o retorno à noite da cidade, depois de sete anos de dedicação ao bar batizado com o próprio nome, não por acaso, em Santa Tereza, o berço do movimento, Marilton anuncia que vai reunir em livro as memórias daquela época.

“O telefone tocava lá em casa à procura da gente e a mamãe dizia que estávamos no Clube da Esquina”, recorda referindo-se ao cruzamento das ruas Paraisópolis e Divinópolis, no Bairro Santa Tereza, onde a família morava. “E a gente lá, tocando violão e vagabundando”, diverte-se. No livro que pretende publicar, ele está escrevendo mais a própria história do que a do Clube. “Lógico que a história do Clube da Esquina vai entrar”, ressalta, lembrando que o livro do irmão Márcio (Os sonhos não envelhecem – Histórias do Clube da Esquina) tem muito mais de Bituca do que do movimento em si.

Assumidamente crítico em relação aos fatos e à história em si, Marilton garante que hoje se sente absolutamente integrado ao movimento, embora tenha preguiça do que classifica de "flora e fauna” que o cerca. “O Clube da Esquina está cheio de papagaio de pirata”, protesta o músico, admitindo que em determinado período todos queriam e admitiam pertencer ao movimento. “Na verdade não é bem assim. Muita gente que apresentei a eles, no início, hoje é mais Clube da Esquina do que eu.”

Parcerias
Depois do show comemorativo dos 40 anos do movimento, em que se apresentou ao lado de Wagner Tiso, que foi seu colega de escola, Marilton Borges confessa que está começando a assumir a própria música. A ponto de agilizar a criação de um projeto, já aprovado pela Lei Estadual de Incentivo à Cultura, para gravar um disco com orquestra.

Autor de cerca de 50 temas, ele já convidou o irmão Márcio Borges para escrever as letras das canções, que pretende registrar ao lado de Márcio, Wagner Tiso e Milton Nascimento. Carona e Outro cais, gravados no disco Os Borges, de 1980, têm presença garantida no repertório. Assim como Ponta-cabeça, da parceria com Murilo Antunes, que Valéria Val gravou mais recentemente.

Pai de Rodrigo, de 37 anos, e de Bruno Borges, de 35, ambos músicos, e avô de João Pedro, de 5, Marilton é puro afeto quando fala da família. O neto, diz, “é a alegria de minha vida”. “Já tem violãozinho, teclado. A música está no sangue”, orgulha-se, recorrendo à origem familiar para justificar a herança. “Minha avó contava que o pai dela, meu bisavô Olegário Soares, era o primeiro músico de categoria especial da Polícia Militar de Minas Gerais. Ele tocava todos os instrumentos na banda da PM. Isto foi bater nos bisnetos”, acrescenta, empolgado, Marilton.

Nos bailes da vida
A desistência de seguir à frente do bar em Santa Tereza se deve ao cansaço. “Aos 70 anos a gente começa a ficar cansado e estava sobrecarregando o meu sócio, Bruno”, justifica a decisão, lembrando que a família, de certa forma, vai continuar no negócio, com a indicação do filho Rodrigo para a direção musical da casa. Como reconhece, o bar não deu certo porque ele não “jogava duro”.

Os novos proprietários estariam decididos a transformar o Marilton’s em um bar temático, dedicado ao Clube da Esquina. Paralelamente, o próprio Marilton está na agenda do bar, com shows de quarta a sábado, acompanhado de Beto Lopes (quarta-feira), do filho Rodrigo Borges (quinta e sábado) e de Carla Vilar (sexta-feira), à base de piano-bar. O domingo à tarde foi reservado por Marilton para tocar na Status, da Savassi, com o chamado Trio Arame Farpado, que ele integra com Marcelo Drumond (teclado) e Scarpelli (acordeom).

“Embora tenha fama de trabalhador, sou um preguiçoso”, afirma Marilton, que começou a carreira em Belo Horizonte, como crooner do Gemini VII, ao lado de músicos como Helvius Vilela, Eduardo Prates e Jamil Joanes, que também passaram por uma das formações do grupo. Muito antes de Travessia , de Milton e Fernando Brant, ficar em segundo lugar no Festival Internacional da Canção (FIC), de 1967, além de dar o título de melhor intérprete a Bituca, Marilton lembra que foi a São Paulo comprar um órgão e se deparou com o então amigo, que conheceu no Edifício Levy, muito mal.

“Ele estava magro, abatido e triste, tocando na noite. Então, falei para ele: ‘Vamos voltar para BH, você faz um regime de engorda com dona Maricota’”, recorda, comemorando o fato de ter convencido o amigo a voltar. “Temos uma intimidade que poucos têm”, confessa, revelando detalhes tais como o verdadeiro “pavor de baile” que Milton Nascimento tinha. “Ele bebia, ia para o palco cantar duas, três músicas e voltava para beber outras. No final, rachávamos o cachê”, acrescenta Marilton, que fez muitos bailes. Depois do Gemini VII, ele fez parte do grupo vocal Evolussamba, ao qual Wagner Tiso também se integrou.

Enquanto isso, já entrosado com Márcio Borges e Fernando Brant, Bituca, segundo lembra, “danou a compor”. “Eu até gostava de compor, mas diante deles não tinha coragem. Minhas canções eram muito inferiores às deles, embora hoje os senhores do Levy todos cantem as minhas músicas”, confessa Marilton. Ao lado do amigo e dos irmãos ele viu nascer clássicos como o que acabou batizando o movimento. “Lô chegou, pediram a ele para tocar o violão e o Bituca arregalou os olhos. Lô então mostrou uma música que havia composto apenas até a primeira parte. Bituca fez a segunda imediatamente. Chega Márcio e a luz acaba em Santa Tereza. No escuro, enquanto mamãe pegava uma vela, ele escreve a letra de Clube da Esquina”, relata, emocionado com o momento histórico.

A passagem pelo Rio, quando integrou a banda de Osmar Milito, tocando violão, faz Marilton lembrar  a época em que tocava na célebre Boate Number One, além de integrar o coro da Som Livre, quando chegou a gravar várias canções de trilhas de novelas da TV Globo e fazer backing vocals em discos de Jorge Ben Jor (então Ben) e de outros artistas. Hoje, preparando a publicação do livro de memórias, ele se diz muito mais um pesquisador do que compositor.

Clube de Marilton
Compositor - "Bituca. A originalidade dele na composição é impressionante. Hoje, acho que ele nem consegue mais compor como fazia nos anos 1970-80. Na mesma linha tem também o Toninho Horta. A originalidade dele também é grande. A ponto de ser reconhecido lá fora. Se juntarmos Bituca, Toninho Horta e Lô Borges, já viu... Eles têm o macete, o negócio da corda solta meio presa. Trata-se de sonoridade impossível de reproduzir, absolutamente original."

Disco - "O primeiro do Lô: Lô Borges, conhecido como o ‘disco do tênis’. É impressionante como ele fez um trabalho de fôlego com tão pouca idade. Foi algo notável que só fui entender depois de velho."

Canção - "Qualquer caminho, de Márcio Borges. Talvez seja uma das únicas que ele fez com letra e melodia. Foi gravada no disco Os Borges. É fantástica: Um dia eu era menino/ Nos prédios de Belo Horizonte/ Nas ruas de Copacabana, Três Pontas, Chile e Bahia/ Mas meu coração no contava/ Crescer na cidade vazia...."

Letrista - "Fernando Brant, com Fruta boa: ‘É maduro o nosso amor/ Fruta boa....’"

Intérprete - "Bituca, não tem jeito. É o Bitucão, o maior cantor do mundo. Sempre fui apaixonado por Frank Sinatra e João Gilberto, mas gosto mais do Bituca."

Instrumentista - "Toninho Horta e Wagner Tiso."
(Estaminas)

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