Luta pelo
voto dos
religiosos é desigual em Minas
Exército
evangélico é bem maior que o católico: nas 100 maiores cidades de Minas, há 271
pastores candidatos a vereador e somente sete padres
É “em nome de Jesus” que eles se dizem candidatos e
deixam bem clara a ligação com a religião em seus nomes na urna. Nas 100
maiores cidades de Minas Gerais, 271 pastores evangélicos se apresentam pedindo
o voto do eleitor para representá-los, não só nos cultos, mas também nas
câmaras municipais. Nos mesmos municípios, há apenas sete candidatos
identificados como padres da Igreja Católica, conforme a listagem da Justiça
Eleitoral. A diferença gritante ocorre pela postura das duas instituições em
relação à política: enquanto os evangélicos incentivam as candidaturas e os
votos dos fiéis, os católicos proíbem a participação dos sacerdotes nas
disputas.
Levantamento feito pelo Estado de Minas mostra que em 70% dessas cidades há
candidatos pastores, enquanto há padres somente em sete: Uberlândia, Governador
Valadares, Sete Lagoas, Pouso Alegre, Alfenas, Ponte Nova e Monte Carmelo – um em cada. Em Belo
Horizonte há 16 candidatos pastores; em Governador Valadares,
11, e em Contagem, nove. O curioso é que, de acordo com o último censo
realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número
de mineiros que se declaram católicos (13.802.790) é três vezes e meia maior do
que aqueles (3.957.520) que disseram pertencer a religiões evangélicas.
Dos poucos padres candidatos, um está afastado da função. Conseguiu licença do
Vaticano em 2004 por ter decidido se casar com a professora Sandra Maria, com
quem teve uma filha. Ainda pode voltar ao ministério, mas a chance é mínima.
Mesmo assim, Padre Gilson (PMDB), candidato em Ponte Nova, Zona da
Mata, usa a profissão no nome de urna por ser assim que seus potenciais
eleitores o conhecem. “Uso porque não perdi o sentido de ser padre, deixei só
as funções, mas continuo trabalhando nas pastorais, com encontro de casais e
sempre me chamam para fazer palestra. Tem gente que me pede bênção na rua até
hoje”, justifica.
Para o padre licenciado, as restrições da Igreja Católica à participação
política acabam minguando a representatividade dela. “Os evangélicos são livres
nas suas decisões. Não ficam presos a uma estrutura maior de igreja. Parece que
entendem melhor a importância da presença da Igreja no centro de poder”, avalia
Padre Gilson. Outro que disputa uma vaga no Legislativo é Padre Paulo (PT), de
Governador Valadares, no Vale do Rio Doce. Ordenado em 2000, disse ter
conseguido licença de três meses do bispo dom Werner Siebenbrock para concorrer
às eleições. Caso saia vencedor, não sabe se poderá continuar celebrando
missas. “Só então vão decidir se posso continuar”, ressaltou.
Padre Paulo continua atuando em uma comunidade menor, mas garante não estar
instrumentalizando o ofício. Ele segue o exemplo do colega de partido, deputado
Padre João, que, segundo ele, encontrou brecha para poder continuar celebrando
em locais menores. “O padre não deve se candidatar a não ser que a realidade
exija e aqui (em Valadares) isso ocorre. Desenvolvo um trabalho social e penso
que no Legislativo posso ampliá-lo”, afirmou. Sobre a possibilidade de a
condição de padre lhe render votos, o candidato rebate: “Existe muita gente que
não vota em mim justamente para não perder o padre”.
INCENTIVO
Na Igreja Evangélica, a participação nas disputas é mais do que liberada. A
Igreja escolhe quem quer que a represente e indica seus candidatos. Os fiéis
são estimulados a votar no escolhido da congregação. Candidato pela primeira
vez nesta eleição, o Pastor Elson (DEM) concorre em Ribeirão das Neves como
membro da Igreja Quadrangular. “A Igreja me lançou. Até pela circunstância que
estamos vivendo, tomamos a iniciativa. As leis atrapalham não só a questão da
educação, da família, mas dos princípios bíblicos. Na política, vamos ver o que
podemos melhorar no município. Há uma expectativa nossa de contribuir mais com
a situação do povo”, afirmou.
Pastor há 17 anos, Elson aguarda uma decisão da Igreja, mas acredita que vá se
afastar dos cultos durante a campanha. Ainda que não se licencie, garante que
vai obedecer à legislação eleitoral, não pedindo votos no templo. Mesmo assim,
o pastor reconhece que leva alguma vantagem por seu trabalho. “Pelo fato de
conhecer muitas pessoas. É como alguém que trabalha em uma ONG, creche ou um
diretor de escola pública. De certa forma ele é reconhecido pelo trabalho que
faz”, compara. Se eleito, diferentemente dos padres, está certo que continuará
atuando como pastor.
O vereador de Belo Horizonte e pastor Henrique Braga (PSDB), que atua na Igreja
Quadrangular do Barreiro, poderia ser inspiração para o candidato de Ribeirão
das Neves. Atuando há 38 anos na igreja, ele está disputando a sétima eleição e
continua o trabalho com os fiéis. “Só paro no período de campanha. Tenho um
tempinho bom de trabalho, mas acho que a votação depende muito da postura de
cada um. Tem gente que se falar que é evangélico vai perder voto porque, no
poder, não dá aquele testemunho esperado”, afirmou.
Código canônico
proíbe participação
A Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB) preferiu não se pronunciar oficialmente sobre o
assunto, já que cada bispo é responsável por sua região, mas encaminhou nota em
que o arcebispo metropolitano de Natal, dom Jaime Vieira Rocha, se posiciona
contrariamente à participação dos padres na política. Segundo o Código de
Direito Canônico, que rege a Igreja Católica, os clérigos devem se abster de
tudo o que não convém e são “proibidos de assumir cargos públicos que impliquem
participação no exercício do poder civil”. Em outro trecho, a lei determina que
os padres “não tenham parte ativa nos partidos políticos e na direção de
associações sindicais”.
Procurado pela reportagem, o Conselho Nacional de Pastores do Brasil também não
se manifestou. Autor de uma dissertação de mestrado na Faculdade Autônoma de
Direito, defendida em 2010, sobre o discurso religioso e a política, o
subsecretário de Estado de Relações Institucionais, Leonardo Portella – que,
assim como o pai, o deputado federal Lincoln Portella (PR), integra a Igreja
Mundial –, acredita que a participação da Igreja Evangélica seja mais
tradicional do que a católica pela ausência de regras em sentido contrário. “As
igrejas evangélicas já têm isso no seu dia a dia. Não há restrição, tornou-se
aceitável, e eles usam os contatos em reuniões fora para difundir essas candidaturas”,
afirmou.
Leonardo Portella nega que o fato de um pastor ser candidato seja uma espécie
de trampolim para facilitar a eleição. “Não vejo dessa forma, mas o pastor
geralmente está inserido nos problemas da comunidade local porque a Igreja tem
o papel não só transformador de almas e vidas, mas da própria comunidade local.
Ela tira gente da rua, das drogas, da prostituição. Ela acaba se envolvendo
pelo fato de o pastor ser inserido nesse contexto”, argumentou.
(Estaminas)