Crônica de Mauro Bomfim
A absolvição de Palocci
Recolho de Padre Vieira nos Sermões: “o homem, monstro e quimera de todos os elementos, em nenhum lugar pára, com nenhuma fortuna se contenta, nenhuma ambição, nem apetite o farta; tudo perturba, tudo perverte, tudo excede, tudo confunde, e como é maior que o mundo, não cabe nele”.
A absolvição de Antônio Palocci pelo Supremo Tribunal Federal , mais do que restaurar um homem, pode recriar um monstro. Ressuscitar o Leviatã da Impunidade. Homem e monstro. Médico e monstro, do livro de Stevenson que virou filme.
O médico Palocci, com seu imaculado jaleco branco e a voz pastosa e ao mesmo tempo suave pela língua “plesa”, era o político do PT inatacável, de moral inatingível, ex-prefeito de Ribeirão Preto e ministro da Fazenda do governo Lula. À noite, o Dr. Jekyll paulistano costumava se transformar, ao primeiro clarão da lua brasiliense, no Mr. Hide tupiniquim, dando em cima de garotas de programa recrutadas pela cafetina Jeany Mary Corner, na famosa Casa de Ribeirão Preto.
As noites da mansão foram cúmplices da ambição humana. Palco de jogos lúgubres e psicóticos. O desvario de controlar a vida de pessoas que incomodavam. Como o caseiro Francenildo, que denunciou a devassidão, a corrupção e as peripécias de Palocci nos aposentos da casa de Ribeirão Preto. Um poderoso ministro da Fazenda mexendo os cordéis, manipulando braços armados de seu Ministério ( Receita, Caixa Federal, Banco Central, etc), simplesmente para quebrar o sigilo bancário de um caseiro que cruzou pelo seu caminho. O uso do poder para massacrar, pisotear. O uso do poder como se fosse um brinquedo assassino, uma espécie de “Chuck” com chip eletrônico para achincalhar, pressionar, assediar alguém, devassar a vida do cidadão comum do povo que, de repente, com suas denúncias, ameaça o alto mandarim e sibarita do mandonismo.
O Supremo absolveu Palocci por maioria. Quatro ministros dos mais respeitados, Ayres Britto, a mineira Carmem Lúcia, Celso de Mello e Marco Aurélio votaram pelo prosseguimento da ação penal. Fica na opinião pública a nauseabunda sensação do triunfo de quem manda, de quem está encastelado no poder.
Opinião pública? Justiça? Nelson Hungria, grande penalista, costumava dizer que “a opinião pública e a Justiça não são boas companheiras. A opinião pública é paixão enquanto a Justiça é serenidade. Quando a opinião pública entra pela porta do Tribunal, a Justiça pula espavorida pela janela para se refugiar no céu". Mas ai da opinião pública, ai de nós, se não houver o bom juiz e o governo dos homens de bem.
“Ainda há juízes em Berlim”, resistiu bravamente o humilde moleiro de Sans-Souci quando o rei Frederico II da Prússia, nos idos de 1745, mandou destruir seu velho moinho simplesmente por atrapalhar a visão do belo castelo construído pelo soberano. O moleiro não sabia se os juízes de Berlim iriam decidir a seu favor e isso não era o mais importante. Mas sim ainda acreditar no maior valor dos juízes, a sua independência.
Mesmo indignados com a absolvição de Palloci no Supremo, não podemos perder a fé na justiça feita pelos nossos bons juízes. A mesma Justiça definida por Calamandrei “como a divindade, que só se manifesta àqueles que nela crêem”.
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